18/03/2024

A beleza de um encontro


Ela segurou o braço da avó carinhosamente e propôs que sentassem na mesa ao meu lado.

A intimidade entre as duas diminuía o contraste da idade, evidenciado no assunto da menina.

“…Então é isso vó, vou gravar o vídeo no fim de semana.”

A senhora fingiu naturalidade com esse assunto de “vídeo”, de tecnologia, mas confundiu-se quando passou o cartão na maquininha do caixa.

A menina — a avó chamou de Emília — aguardou enquanto consultava o cardápio. Quando retornou a senhora perguntou “Por que não escolheu antes? Eu faria seu pedido com o meu.”

Como era de esperar, Emília foi mais ágil que a avó ao fazer o pedido, pagou e retornou a mesa.

Sentaram-se frente a frente. A senhora mexia no café com leite usando uma pazinha de plástico.

“Por que você não vem me visitar? Pega o ônibus e vai lá…”

“Vou sim vó, na semana que vem.”

A avó deixou transparecer no sorriso enrugado um contentamento juvenil, olhou sobre os óculos como se precisasse dar ênfase ao que diria. “Avisa antes para eu fazer uma comidinha gostosa para você.” Coisas de avó.

As duas conversam. A senhora ainda mexe com a pazinha no café com leite, deve estar muito quente, a menina brinca com o celular desligado em uma das mãos.

Na mesa ao lado me encanto com o mundo das duas. Elas não fazem ideia que é sobre encontros que escrevo em meu caderno, o delas e os nossos. Me repreendo pela invasão. Coisa feia, um cara da minha idade prestando atenção na conversa alheia. Divago…

Quantas distâncias constroem o amor entre avó e neta? Amor não é feito só de presenças, mas de distâncias também. As distâncias ajudam enxergar melhor.

Penso nas ausências que provavelmente experimentarão um dia. As faltas que no futuro valorizarão esse momento simples, avó e neta tomando café em um shopping no meio da tarde.

Quantos mundos entre os setenta e tantos anos de uma e os dezessete ou dezoito da outra?

Emília fala que está procurando trabalho. A avó conta que mesmo depois que se aposentou trabalhou por mais seis anos.

“Por que não faz um curso, vó?” — A neta morde um sanduíche e presta atenção na senhora que sorri.

“Estou velha para isso.”

“Velha nada! A senhora ainda é jovem!”

As duas se olham com sorrisos diferentes, sorriso cansado, sorriso de esperanças, depois ficam quietas por um tempo.

Emília mexe no celular que não está desligado como pensei, espia, tecla rapidamente.

A avó espera com paciência. Pessoas mais velhas sabem esperar. Pessoas jovens, cada vez menos.

A senhora olha distante, sem ver, pensa em alguma coisa.

Tomara que elas saibam se completar. Espero que de alguma maneira nunca se esqueçam da beleza desse encontro de afetos, de cuidados, de carinhos.

Conversam mais um pouco e depois se levantam. Somem entre os anônimos e prosseguem suas vidas, seus assuntos, seus planos de visita e “comidinha gostosa” até desaparecerem na multidão.

Termino o café e concluo meu texto pensando nos tantos mundos que se cruzam, na beleza dos encontros cotidianos que não percebemos, encontros cheios de significados.

Apesar das nossas teorias e complexidades basta um pouco de atenção para desconfiar que a vida nada mais é do que uma construção de simplicidades. Pequenas doações cotidianas de tempo, de presença, de conexões que se manifestam com tanta sutileza, como uma conversa entre avó e neta em uma mesa de café.

Flávio Siqueira 

Nenhum comentário:

Postar um comentário