Desde crianças somos condicionados a acreditar em heróis. Sempre há uma figura mítica que resolve nossos problemas, isso quando não somos estimulados a acreditar que nós mesmos podemos ser ou nos tornar heróis.
Quando nosso primeiro natal chega, a mensagem é que o “Papai Noel” irá nos presentear e presenteará todas as crianças que “merecerem”. Em nossa imaginação infantil, nossos pais sequer precisam ter emprego, trabalhar, ter uma renda justa, afinal, o “Papai Noel” dará conta do recado. E assim é por toda a nossa infância. Tudo bem, as crianças precisam de um certo grau lúdico em suas criações. O problema é que isso continua por toda a nossa vida, quando ao invés de lúdicas, nossas ideias deveriam ser um pouco mais pragmáticas.
Não precisamos nos organizar, porque se perdermos alguma coisa basta dar três pulinhos para o “São Longuinho”, o herói das coisas perdidas; Também não precisamos cuidar da saúde, porque os médicos estão lá para operar milagres em nossas vidas; Não precisamos tomar cuidado com as crianças, porque se engolirem algo, ou caírem na piscina, tem sempre o herói vermelho, nosso amigo bombeiro para salvar.
Enquanto guerras inescrupulosas aconteciam no mundo, as populações ficavam um pouco mais tranquilas sabendo que o “Capitão América” estava pronto para salvar a coisa toda.
Torcíamos pelos justiceiros que eliminavam os "vilões" e salvavam o dia, nem que para isso uns “Mega Zords” tivessem que destruir centenas de prédios e acabar com a infraestrutura das cidades. Mas tudo bem, para quê pensar nisso, se no próximo episódio estará tudo novo, de novo... e assim esquecemos de pensar na causa e consequência, não lembramos de medir os impactos de cada ação.
A essa altura você deve estar pensando... “Ah pronto, agora o aquecimento global é culpa do Batman!”... Não que seja culpa dele, mas quantas pessoas sentiram vontade de dirigir um possante bastante poluente depois de ver o homem morcego soltar chamas pela turbina de seu, inconfundível, batmóvel?!
A vida real:
Com tudo isso, acabamos criando uma certa dificuldade em separar a vida real da ficção.
Por exemplo: Não é raro encontrar empresas que ao invés de investirem fortemente na capacitação de seus funcionários, depositam a fé naqueles funcionários que têm um perfil produtivo maior. Em vendas, esses funcionários mais produtivos são muitas vezes chamados de “Flechas”, “Pontas de Lança”, “Tubarões”, “Coelhos”, “Águias”, “Showman” etc. Ou seja, o herói que garante as metas, ou que serve de inspiração para os demais vendedores.
No final do dia, quando elevamos uma figura ao heroísmo, seja essa figura política, policial, empresarial, da magistratura ou até religiosa, passamos a, além de anular a análise de risco, ignorar qualquer possibilidade de erro que essa pessoa possa, por ventura, ter cometido, ou vir a cometer. Excessos, privilégios, abusos e até crimes, passam a ser vistos como meros “efeitos colaterais” de um remédio amargo. Mas a verdade é que quando aplicamos o remédio errado, ou até o certo em dosagens desreguladas, a doença não é eliminada, ela é fortalecida.
Ao elencar heróis, nosso senso crítico fica anulado, porque a partir desse momento, para desconfiarmos desses supostos “heróis”, teremos de desconfiar da nossa própria capacidade analítica e crítica. Em tese, quando você crava que alguém é um “herói”, você cria um constrangimento para si mesmo quando tiver de condenar alguma atitude do seu “herói”.
Heróis não existem, e não há necessidade de existir. No mundo corporativo, há de se estudar, analisar, investir, pesquisar e ser crítico. As empresas não podem confiar seu faturamento a poucos membros com performance fora da curva, assim como o mercado não pode se concentrar em poucas empresas. Quando isso acontece todo o sucesso do negócio, ou o equilíbrio do mercado fica refém de um único ator. Quando isso acontece, a simples ausência, saída, ou quebra desse ator, faz com que toda a empresa ou o mercado desmorone. Por isso é tão importante o combate ao monopólio.
Por fim, não precisamos ser literais. Claro que não há pecado nenhum em ver um filme de Super Heróis, mas é necessário ter em mente, que só para entretenimento é que os heróis servem. Nas empresas é sempre melhor valorizar o coletivo, manter uma equipe bem alinhada e treinada, ao invés de confiar em talentos individuais; nos mercados, é mais importante fomentar o ecossistema de forma sustentável para que vários players tenham capacidade de atender as demandas, do que acreditar em negócios insustentáveis, totalmente dependentes de aportes recorrentes de capital de risco, que visam dominar todo o mercado para daí então, através do monopólio e controle de preços, ter alguma chance de lucro; Na família, é mais saudável promover a importância da cooperação, divisão de tarefas, respeito as diferenças e relações sociais, do que criar a ilusão de soluções mágicas.
Enfim... não tem almoço grátis, não tem milagre. Ou conduzimos nossas ações pensando nos efeitos e consequências, ou vamos sempre ficar apagando incêndios e enxugando gelo.
Antonio Pedro Porto
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