17/03/2024

A ORAÇÃO COMO RESPOSTA À SITUAÇÃO EXISTENCIAL


A oração está relacionada com a situação existencial humana. Seja de adoração, de ação de graças, ou de súplica, a mesma sempre é gerada a partir de situações da vida e em resposta a estas. Como afirma Daniélou, “a oração não pode existir de maneira abstrata (…). Ela é a prece de um homem concreto engajado na existência (…); o fato religioso deve ter um caráter social”. Na opinião de Padilha, “muitos contrapõem oração e ação”. Entendem a oração como uma forma de fugir dos problemas que parecem insolúveis. Isto é consequência de uma má compreensão da proposta cristã de espiritualidade. Desta maneira, a oração se transforma num ato religioso de “fuga da realidade”. 

Esta compreensão da espiritualidade como “fuga da realidade” é antiga e se fundamenta na influência de experiências espirituais orientais, sobretudo judaico-helenístas como encratismo, platonismo, gnosticismo, etc. Cristãos primitivos consideravam estas influências como negativas, pois levavam a muitos a interpretar a vida a partir do dualismo corpo (escravo do demônio) e espírito (pertencente a Deus). Desta forma, os problemas humanos eram compreendidos como consequentes do conflito corpo/espírito, natural/sobrenatural, sagrado/profano. A teologia de Orígenes deu início à percepção negativa do mundo e da criação, mas o triunfo da concepção dualista no Cristianismo se deve a Agostinho. Ele introduziu na teologia o conceito de alma, psykhḗ (ψυχή) no grego, do qual a comunidade judaico-cristã não dispunha. A palavra hebraica nefesh (נֶפֶשׁ), que os gregos traduziram por psykhḗ e os latinos por anima “significa vida e tudo o que promove vida”, e faz referência ao ser humano integral. Uma pessoa viva é uma nefesh viva e um morto uma nefesh morta. Na concepção hebraica, portanto, não se pensa o homem como dividido em corpo e alma ou corpo e espírito. O mesmo ocorre no pensamento cristão, visto que, em sua declaração de fé, o “Credo”, se afirma a crença na ressurreição dos corpos e não na imortalidade da alma.

Portanto, na espiritualidade judaico-cristã jamais se encontra um “espírito puro e concreto”, senão sempre um espírito encarnado. “Pertence à essência do espírito humano como espírito sua corporalidade e com isso sua relação para com o mundo”. A situação de estar no mundo do homem não é acidental, senão que “exprime sua realidade essencial”. “Corpo e alma não exprimem o que o homem tem, mas aquilo que ele é”. O homem em sua totalidade é corporal e espiritual. Os grandes atos espirituais e místicos são sempre atos corporais. No ser humano existem “um espírito corporalizado e um corpo espiritualizado”. Sempre que o homem diz “eu” faz referência à “unidade total de sua realidade corpo-alma e de todas as dimensões de sua existência”.

A oração, portanto, não pode ser um meio de fuga. Ao contrário, “é uma maneira de encarar a realidade, de assumi-la tal como ela é para então submetê-la à ação transformadora de Deus”. Orar bem significa dispor-se para ser usado por Deus “para o cumprimento do seu propósito com relação ao motivo” pelo qual se ora, comprometendo-se com a ação de Deus no mundo para que seus planos sejam concretizados. “É uma oração política e escatológica. Política porque se ocupa da vida e das relações humanas da ‘polis’ (cidade). Escatológica porque coloca a ‘polis’ sob o foco do propósito de Deus”. Os que oram são colaboradores de Deus na “missão de redenção da criação”. Como diz Rubem Alves, “na oração, o homem tenta abolir o poder do assim é pela magia do assim deve ser”. E também diz: “Ele [o crente] ora porque crê que a sua oração tem o poder para colocar em ação uma eficácia extra que não existiria se ele permanecesse em silêncio”.

O Pai Nosso, como oração da comunidade cristã, só se entende a partir da experiência vivida por Jesus, experiência expressa em sua mensagem e em suas práticas. Como diz Pagola, no Pai Nosso Jesus “condensa em poucas palavras o mais intimo de sua experiência de Deus, sua fé no Reino e sua preocupação pelo mundo”. Nele “deixa entrever os grandes desejos que batiam no Seu coração e os gritos que dirigia a seu Pai (…)”.

Por ser a oração que resume a mensagem de Jesus, e entendendo-se que orar exige também uma resposta prática, conclui-se que orar o Pai Nosso implica num compromisso com a justiça pessoal e social. Esta oração é como a “carteira de identidade” do discípulo, visto que trata do que Jesus espera dele. É com o avanço do Reino de Deus no mundo que se compromete o cristão que ora o Pai Nosso, cumprindo assim o “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no Céu” (Mt 6.10). Por isto, a entrada no Reino exige conversão. “Conversão significa: mudar o modo de pensar e agir no sentido de Deus (…)”. “Convertei-vos, pois está próximo o Reino dos céus” (Mt 3.2; 4.17). Como diz Bultmann, Reino de Deus: 

Se refere ao governo de Deus que põe termo ao atual curso do mundo, que destrói tudo que é contrário a Deus, “tudo que é satânico, tudo o que agora faz o mundo gemer, e, pondo desse modo um fim a todo sofrimento e dor, estabelece a salvação para o povo de Deus que espera pelo cumprimento das promessas proféticas.

Fonte:fabapar.com.br

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