O fundo do poço
Com certeza você já se abismou, quando se deparou com aquela pessoa atraente, física ou intelectualmente, e se deixou atingir por uma flechada no coração. Era ela e só ela. Quase como em uma peça de teatro, onde você era o espectador e a pessoa era a figura destacada pelo foco de luz em meio a uma vasta escuridão. Em cima do palco. Hipnotizante. E então, você sucumbiu.
Quando o indivíduo se rende, ele adentra outro universo. Sua visão é alterada, o que fazia sentido é desconstruído e vira poeira e o que não fazia sentido se torna sustentável e estável. O ser humano sai de um campo lógico para um ilógico, pois a emoção não está relacionada à razão. O apaixonado cai em um buraco em que ele foi empurrado por seus próprios sentimentos. Eis o ser abismado.
O livro de Goethe “Os sofrimentos do jovem Werther” traz à tona essa situação. O protagonista, escritor das cartas, cai de amores por Carlota, uma dama já comprometida. “E tão perdido em sonhos eu estava no mundo crepuscular à minha volta, que mal percebia a música que chegava do salão iluminado ao nosso encontro.”, afirma Werther, depois de ouvir a amada. Ele adentra um espaço metafísico que tem características semelhantes ao precipício.
Contudo, o ato de se abismar pode ser de uma vontade maligna, quando o sujeito apaixonado sofre por outra pessoa e, com isso, sente o desejo de cair em uma versão distorcida daquele universo. Então, surgem o desejo de suicídio e a depressão. É assim na peça de William Shakespeare, “Romeu e Julieta”, em que, ao ver sua amada aparentemente morta, o protagonista sucumbe a seus pensamentos e decide tirar a própria vida. A situação se repete a posteriori: Julieta se suicida sabendo que seu amado morreu. Ocorre uma queda de ambos os personagens nesta dimensão do abismo ao se depararem com uma vida sem a pessoa que ama.
O abismo é inevitável: o indivíduo o enfrenta de um jeito ou de outro, mais cedo ou mais tarde. Ele vira um lar temporário, seja de sofrimento e dor, ou de paixão e amor, podendo ter consequências duradouras ou permanentes. Não importa a forma, em algum momento, o ser há de sucumbir e cair no fundo do poço.
Gabriel Esquenazi
"ABISMAR-SE
Lufada de aniquilamento que atinge o sujeito apaixonado por desespero ou por excesso de satisfação".
Nenhum comentário:
Postar um comentário