17/04/2025

O eterno retorno de Nietzsche em nosso dia a dia


Relembrando um conceito filosófico que estudei na graduação, senti uma vontade imensa de vê-lo novamente. Trata-se do Eterno Retorno, de Nietzsche. 

Escrever sobre filosofia não é meu foco, nem meu forte. Eu diria que eu escrevo sobre formas de se inovar o pensamento, seja em qual área for. Mas achei tão relevante falar sobre ele e conectá-lo ao nosso dia a dia, que não resisti e precisei escrever.

Esse conceito de Nietzsche não foi concluído por ele em vida, mas ele o considerava seu pensamento mais profundo e amedrontador e o teve quando caminhava:

E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: ‘Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!’. – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?‟, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela” 

Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência, 341

Sobre o que diz o eterno retorno? Sobre os ciclos que se repetem em nossas vidas, aos quais estamos presos a um número de fatos que se repetiram no passado, que ocorrem no presente e que vão se repetir no futuro. Assim como as guerras e as epidemias de doenças que voltam de período em período.

Se você fosse condenado a viver sua vida mais uma vez, e várias outras vezes, eternamente, você seria feliz? Como você se sentiria?

Se você ama sua vida e a vive intensamente, o eterno retorno é algo desejado. Mas se você vive descontente com tudo, o eterno retorno será uma maldição. E quantos de nós vivem semana após semana o mesmo? Quantos anseiam desesperadamente pelo próximo final de semana ou feriado? Você já está vivendo o eterno retorno, e se tivesse que viver essa vida de novo, você estaria feliz sobre o que fez com ela hoje?

Pensar sobre o eterno retorno é também pensar sobre nossa capacidade de fazer mudanças e abrir caminhos para o novo, ainda que esse novo assuste. Ao menos ele foge da rotina, ao menos ele lhe confere a chance de novas possibilidades.

Ao questionar a ordem das coisas, Nietzsche nos leva a pensar sobre como vivemos opostos que se complementam em uma realidade, e assim vemos bem e mail, angústia e felicidade, que se alternam todos os dias, eternamente. 

Quando você vive algo ruim e não faz nada para que aquilo mude, você está regando o seu próprio eterno retorno. Quando você perde o emprego e vê tudo se ruir, perde o chão e a fé, e então você amaldiçoa e sente a pior pessoa, você está cultivando o seu próprio eterno retorno, porque essa imersão no seu eu tão triste te chama para baixo e não te deixa ver a superfície e a solução. Então, você atrai mais tristeza ainda.

Se os fatos se repetem e retornam infinitamente, também podemos aprender mais uma lição: a de que nada será para sempre, a de que este momento pode ensinar algo, a de que dias melhores virão, mas assim como eles, os dias não tão bons também vão existir e a nós cabe a sabedoria de compreendê-los, de não nos desesperarmos, mas de ao mesmo tempo não se acostumar e permitir que se estendam. Quando aprendemos com o negativo, certamente mesmo que ele se repita, já seremos outro, poderemos lidar de uma forma diferente (estaríamos de certa forma fugindo do tradicional conceito do eterno retorno). Mas se nada fazemos, os ciclos se repetem e a vida se torna um mero "ser guiado".

Assim, entendemos a necessidade de questionar e de perguntar-se "eu quero viver isso de novo?" e "eu quero que isso se repita inúmeras vezes?". É o que permitimos quando insistimos em relacionamentos insanos, quando não respeitamos nossos valores e instintos.

Permitimos que o eterno retorno seja amedrontador e indesejável de diversas maneiras. Quando nos colocamos num modo automático, quando nossas falas são apenas promessas que não se cumprem, quando não realizamos sonhos, quando matamos o desejo de empreender pelo medo de abandonar o que é certo, quando nos deprimimos nos domingos a noite porque é chegada a segunda-feira e nada fazemos para mudar, quando mesmo tendo vivido algo difícil não mudamos nossa postura ou impedimos que aquilo se repita.

Se o eterno retorno é a repetição infinita e se ele sempre será assim, que ao menos possamos usar o nosso poder de intervenção para que talvez os ciclos, estes sim sejam repetitivos, mas que a cada vez aprendamos algo novo e coloquemos isso em prática, de modo que mesmo que tudo se repita ainda existirá novidade e lições aprendidas.

E que se for preciso viver tudo de novo, que não seja uma carga, mas a certeza de uma vida bem vivida.

Flávia Gamonar 

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