11/04/2024

Enfrentando a Depressão: A depressão como imperfeição do amor


Não existe uma fórmula, nenhuma “receita de bolo” para lidar com as depressões (porque elas são muitas, tão complexas quanto os seres humanos). Esta afecção psíquica – um dos grandes problemas da humanidade, consequência do profundo mal-estar contemporâneo e da medicalização da vida – sempre se infiltra das maneiras mais imprevisíveis possíveis. As estatísticas vêm crescendo exponencialmente: na década de 70 havia cerca de 100 milhões de deprimidos no mundo; trinta anos depois, chegam a mais de 1 bilhão. Em meio a todo tipo de catástrofe que estamos imersos – sociais, ambientais, de trabalho, dissoluções e problemas familiares, amorosos, entre outros – ficamos vulneráveis a entrar na melancolia e depressão. Que na maioria dos casos não tem origem orgânica, mas tem origem neste caos psíquico que vivemos.

A depressão e o amor

De uma forma geral, a depressão é um adoecimento do amar. De nossa capacidade de amar, criar e manter vínculos. Cabendo dizer aqui que não é uma doença. Trata-se mais de um sintoma, que mostra o grau de desestruturação de uma pessoa, das pessoas em relação ao mundo, e da sociedade como organização e lugar de acolhimento.

Muitas vezes, a pessoa em condição depressiva (ou deprimida) é saudável em relação a seus pensamentos, visões de mundo e conexão com o outro. Nestes casos, o que está louco e doente é seu entorno, sendo a depressão a expressão dessa desconexão.

“A depressão é a imperfeição no amor”, segundo o escritor e especialista em psicologia e saúde mental Andrew Solomon. É um desespero frente a essas perdas. Afirma ele que os eventos depressivos normalmente “envolvem alguma perda – de uma pessoa querida, de uma função, de uma ideia sobre si mesmo – e se apresentam da pior forma quando envolvem humilhação ou uma sensação de estar preso numa armadilha. A depressão pode também ser causada por uma mudança positiva: nascimento de um bebê, uma promoção ou um casamento, que podem assim desencadeá-la quase tão facilmente quanto uma morte ou perda.”

A depressão – leve, moderada ou severa – pode ser um sinal de algo que está clamando por ser conscientizado no sujeito, e de como a sensação de vazio por ela provocada e sinalizada, fica como um nevoeiro em que nele pode se esconder alguma luz. O sentimento de uma vaga ausência produz a necessidade de simbolizar tal estado, com conteúdos ainda não trazidos à consciência.

A Psicanálise busca através de seus métodos terapêuticos (sim, a Psicanálise é e deve ser terapêutica!) ajudar o paciente/analisando a enxergar sua identidade e suas potências por trás de sua história, seus traumas e lutas.

Podendo ser apresentado a si mesmo como nunca antes, o sujeito pode se inserir no mundo de novas formas, cuidando e respeitando mais a si mesmo, conhecendo mais o mundo a sua volta, e ainda assim lutando por seus ideais. Fazer Análise não é consertar o mundo. Mas uma das poucas formas e métodos que o ser humano conseguiu conquistar para se harmonizar melhor consigo e com seus conflitos internos e assim ter um melhor parâmetro de seu lugar no mundo.

A depressão e o ódio/intolerância

Precisamos de um tipo de tolerância radical ao ‘diferente’ nos dias de hoje. O que não quer dizer tolerar a intolerância quando o outro é violentamente intolerante. Muito pelo contrário, o caso é de não nos vitimizarmos e enfrentar a face consciente ou inconscientemente cruel do outro e de si mesmo.

Diante do outro que nos atravessa, violenta e põe em risco nossa sobrevivência física e psíquica, precisamos de recursos internos para lidar com isso.

A depressão camuflada

Vivemos em um mundo onde nossos passos não podem tropeçar na passarela do sucesso, onde o fracasso é temido como se fosse o maior dos deuses maléficos. A Esfinge que a todos parece devorar.

Mito ou realidade, é verdade que uma grande tendência atual do ser humano é camuflar muitos de seus medos, inseguranças, desejos, aspirações e dores, em pró de uma atitude exemplar perante um mundo que não permite fracassar. Eis os resultados: Vícios de todos os tipos (drogas vindas do tráfico, da indústria farmacêutica, drogas naturais como a endorfina e a adrenalina – adição a esportes radicais), obsessões, compulsões (sexo, distúrbios alimentares, consumo compulsivo, uso compulsivo da internet), etc. Em comportamentos aparentemente normais, é possível encontrar uma possível depressão camuflada em todo esse caldo.

Diante de um mundo perverso, competitivo e superficial, é normal de se esperar que uma pessoa cheia de potenciais possa sucumbir, e que ao invés de colocar-se por debaixo das cobertas, evita tudo isso de outra forma mais sutil: se adequando aos papeis vigentes, e se utilizando de comportamentos diversos para se defender do sofrimento. Assim, consegue se adequar aos ideais da contemporaneidade, mas sem expressar seu mais autêntico self.

A Psicanálise oferece a possibilidade de criação de uma rede de representações capaz de conter comportamentos não construtivos, assim como a ampliação da capacidade de simbolização e criação. Podemos e devemos ser capazes de olhar para dentro de nós mesmos e ver nossas qualidades e potenciais.

A beleza do mundo subjetivo consiste em superar as dificuldades internas e do mundo objetivo, e assim protagonizar uma potencialização do mesmo. É preciso não só racionalizar, raciocinar, mas sim “pensar”, para enxergar novas trilhas nesse universo que nos permeia. Como diz o psicanalista Bion, que tem uma concepção diferente da concepção de outras teorias do pensamento, precisamos usar o processo de pensar para lidar com a pressão exercida pelos pensamentos. É preciso revisitar nossos desejos e nossa forma de pensar a si e o mundo.

Caio Garridos - Psicanalista

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