Outro dia, no meio de uma conversa sĂ©ria sobre planos para o futuro, alguĂ©m soltou a pergunta fatal: "VocĂȘ quer viver ou quer durar?" Na hora, fiquei sem resposta. Parecia uma daquelas pegadinhas existenciais que dĂŁo um nĂł no cĂ©rebro. Como assim, "viver ou durar"? NĂŁo Ă© a mesma coisa? E foi aĂ que comecei a pensar melhor.
Durar Ă© aquela vida meticulosamente planejada. Acordar cedo, comer aveia, fazer exames regulares, evitar frituras e ĂĄlcool, usar protetor solar atĂ© dentro de casa. Ă pagar boletos em dia, manter um currĂculo atualizado e separar o lixo reciclĂĄvel corretamente. Ă nĂŁo se expor a riscos desnecessĂĄrios, nĂŁo gastar energia com bobagens, seguir a cartilha da longevidade. O problema Ă© que, Ă s vezes, quem sĂł dura esquece de viver.
Viver, por outro lado, é sair sem rumo e descobrir um boteco com o melhor torresmo do bairro. à rir até perder o fÎlego, mudar de caminho porque um cachorro simpåtico quis te acompanhar, aprender a tocar violão aos 60 anos só para tocar mal e sem compromisso. à dizer "sim" para convites improvåveis e "não" para convençÔes sem sentido. Viver é tomar sorvete sem culpa, se apaixonar sem garantias, dançar sem saber os passos.
E entĂŁo, veio a dĂșvida cruel: e se eu tentar fazer as duas coisas? E se eu quiser durar e viver? Tomar vinho, mas comer brĂłcolis? Correr na esteira, mas tambĂ©m correr para pegar um pĂŽr do sol na praia? Manter a poupança organizada, mas tambĂ©m viajar sem planejamento de vez em quando?
O problema Ă© que nossa sociedade idolatra os que duram. SĂŁo eles que recebem prĂȘmios de "exemplo de disciplina" e ocupam capas de revistas de negĂłcios. Viver, por outro lado, Ă© visto como irresponsabilidade. Quem vive demais Ă© chamado de impulsivo, imaturo, inconsequente. Mas e se o verdadeiro erro for passar tanto tempo tentando durar que, no final, esquece-se de viver?
Me lembrei de um conhecido que, durante toda a vida, economizou cada centavo, sempre dizendo que ia aproveitar quando se aposentasse. Morreu um mĂȘs depois de pendurar as chuteiras, sem ter usado metade das camisas bonitas que guardava "para ocasiĂ”es especiais". TambĂ©m lembrei de um amigo que vivia cada dia como se fosse o Ășltimo e... bem, um dia foi mesmo. Talvez a grande sabedoria esteja em nĂŁo cair em nenhum dos extremos.
EntĂŁo, qual Ă© a resposta certa? Eu decidi que nĂŁo quero apenas durar. Mas tambĂ©m nĂŁo quero viver como se nĂŁo houvesse amanhĂŁ, porque, convenhamos, na maioria das vezes hĂĄ. Quero equilibrar o manual da longevidade com o roteiro das boas histĂłrias. Quero me cuidar para ter energia suficiente para as aventuras que ainda me esperam. Quero, sim, evitar os riscos idiotas, mas nĂŁo me privar dos riscos emocionantes. Quero durar, mas com conteĂșdo.
E se um dia alguém me perguntar qual foi a minha escolha, espero poder responder com um sorriso maroto: "Eu escolhi viver. E durei bastante fazendo isso."
CrĂŽnica de Carlos Coelho
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